Os testos iniciais dos Vedas consideram Varuna o aspecto sinistro, agressivo e inacessível do soberano que reina sobre o mundo dos deuses e dos homens. Seu simbolismo está ligado à noite, à Lua e às águas. As estrelas são seus olhos, “ele a tudo vê, nenhuma falta escapa-lhe por mais escondida que esteja e os homens sentem-se escravos como sua presença”. Os homens são escravos da noite, do sono, dos sonhos e, nos sonhos, todos os erros tornam-se transparentes para Varuna. As impressões produzidas pela noite e pelo cosmo intocável chamam a atenção para o desconhecido e o imprescindível, intimidando, assim, os homens.
Varuna é representado como um homem de pele branca, cavalgando um animal marinho (Makara) que tem a cabeça e as patas dianteiras de um antílope e o corpo e o rabo de um crocodilo. Ele leva, em suas mãos, cordas que formam laços ou redes, com as quais alude o papel de justiceiro que prende e que julga faltosos. Às vezes, também é representado sentado juntamente com a rainha Varuni, sua esposa, em um trono de ouro e diamantes e sendo cortejado por Samudra (o mar), Ganga (o rio Ganges) e as deusas e deuses de diversos rios , lagos e nascentes.
Varuna é filho de Aditi, a “não ligada, livre de ataduras, livre dos laços do karma” (lei de causa e efeito). Ele “esticou a terra, como um açougueiro a uma pele, para que se tornasse qual tapete para o Sol; colocou o leite nas vacas, a inteligência nos corações, o fogo nas águas, o Sol no céu , o Soma (néctar da imortalidade) sobre as montanhas”.
Como cosmocrata, Varuna possui atributos dos deuses celestes: é Visdavarsata, o visível por toda parte, onisciente, infalível. Como soberano terrível, verdadeiro senhor dos laços, ele tem o poder mágico de laçar e libertar a distância suas vítimas. Inúmeros hinos e rituais foram desenvolvidos com o objetivo de proteger e libertar os homens dos laços de Varuna. Como o senhor do Rta (Dharma), é considerado o guardião das normas cósmicas.
Varuna é um Maha Mayin (um grande mágico) e suas armas são as ilusões (Maya). Os laços de Varuna são mágicos como a sua própria soberania, são símbolos do poder que o soberano detém: justiça, administração e segurança. Esses laços podem ser vistos sob dois pontos de vista diferentes. No primeiro, têm-se os laços como um obstáculo, na medida em que se considera o indivíduo amarrado a certas condições de existência e limitado por estas em um estado contingente. No segundo ponto de vista, os laços unem as condições de existência entre si e a seu próprio princípio criador, de modo que, longe de serem um obstáculo, transformam-se no meio pelo qual o indivíduo chega a libertação e ao Absoluto. Esses dois princípios refletem filosofias distintas de se encarar a Maya, vista como a existência no mundo fenomênico. Uma tendendo para a negação da realidade do mundo como o próprio instrumento para a evolução e transcendência.
Varuna é especialmente relacionado à Lua, depósito de Soma, néctar responsável pela imortalidade consumido pelos deuses. Uma de suas funções é velar pela conservação e produção desse néctar por meio da expansão e contração dos astros. Devido ao fato da Lua também ser considerada como a residência dos mortos (Prithiyama), Varuna divide com Yama (o primeiro ser a cruzar os caminhos do pós-morte) o titulo de rei dos mortos. No Brahmana do Rig Veda, encontramos uma lenda que nos produz a impressão de que, em tempos remotos, eram oferecidos sacrifícios com vítimas humanas a Varuna. Conta a lenda:
Um certo rei chamado Harischandra não possuía filhos homens e se encontrava muito preocupado, pois necessitava de um herdeiro masculino para o devido cumprimento das cerimônias de sue funeral. O rei, seguindo os conselhos do sábio Narada, apresentou-se diante de Varuna dizendo: ‘Ó, soberano, permita que nasça para mim um filho homem, que irei sacrificá-lo para ti’. Varuna escutou o pedido e concedeu-lhe o filho.
Quando o garoto cresceu, seu pai contou-lhe sobre o voto que havia feito, mas, naturalmente, o rapaz não tinha desejos de ser sacrificado e, assim, fugiu, abandonando seu lar. Varuna, nada satisfeito com a possibilidade do não cumprimento da promessa, fez o rei cair gravemente doente.
Durante seis anos, o rapaz viveu escondido nas florestas, até que, um dia, encontrou-se por acaso com um Brahmane muito pobre, o qual possuía três filhos. O príncipe propôs ao Brahmane que lhe vendesse um de seus filhos para sacrificá-lo em seu lugar. O Brahmane não podia entregar-lhe o filho mais velho e sua esposa não consentia em deixar ir o caçula; dessa forma, o filho do meio foi escolhido.
O príncipe regressou ao seu reino levando o filho do Brahmane e, de imediato, o rei ficou encantado diante da perspectiva de poder cumprir com sua promessa a Varuna; porem, surgiu um problema: quem iria imolar o garoto? Depois desse assunto ter sido bastante discutido e de levada em consideração a promessa, o Brahmane, pai do garoto, decidiu fazê-lo.
O garoto foi, então, para a mesa de sacrifícios e seu pai estava prestes a matá-lo, quando ele pediu permissão para, antes de morrer, recitar alguns hinos de gloria aos deuses, o que lhe foi permitido. O resultado disso foi que deidades ficaram tão emocionadas com a devoção do garoto que intercederam junto a Varuna, para salvá-lo da morte.
Varuna aceitou o pedido, permitindo que o garoto vivesse, e Harischandra foi curado da doença.
Varuna é também conhecido pelos seguintes epítetos: Prachetas, o sábio; Jalapati, o senhor da águas; Yadapati, o senhor dos animais aquáticos; Ambujaraja, o rei das águas; Pasi, o que leva o laço.
HAMILTON, Edith. A Mitologia