Após a vitória sobre Vritta, Indra decidiu refazer e embelezar a residência dos deuses Vishvakarma, o arqueiro dos deuses, depois de um ano de duro trabalho, conseguiu construir um magnífico palácio, mas Indra não se mostrou satisfeito. Ele quis aumentar a construção, torná-la mais majestosa e sem semelhante no mundo. Vishvakarma, esgotado pelo trabalho, queixou-se ao deus Brahma (o criador do universo) e este prometeu ajudá-lo intervindo em seu favor junto ao deus Vishnu, ente supremo de quem Brahma não era mais um simples instrumento, Vishnu encarregou-se de fazer Indra voltar a realidade.
Certo dia , Indra recebeu no seu palácio a visita de um rapaz andarilho. Este era o próprio Vishnu, que tomara este aspecto para humilhar o rei dos deuses. Sem revelar sua identidade, o jovem chamou Indra de “meu filho” e começou a discursar sobre os inúmeros Indras que, até essa altura, já tinham povoado inúmeros universos. Disse lhe o jovem : “a vida e realeza de um Indra duram 71 eons; um dia e uma noite de Brahma equivalem a 28 existências de Indra. A existência de um Brahma é de apenas 108 anos, medidos os dias e noites de Brahma. Um Brahma segue se a outro, um deita e outro levanta. Não se consegue contá-los. Não tem fim o numero desses Brahma, para não falar nos Indras. E quem poderá avaliar o numero de universos, tendo cada um seu Brahma e o seu Indra? Para lá da mais longe visão, para lá de todo o espaço inimaginável, os universos nascem e dissipam se indefinidamente. Como barcos levíssimos, esse universos flutuam nas águas puras e primordiais que formam o corpo de Vishnu. De cada poro desse corpo, um universo sobe um instante e desintegra se. Tereis vós a presunção de contá-los? Credes poder enumerar os deuses de todos esses universos, os universos presentes e os passados?”
Durante o discurso do rapaz, surgiu, na sala do palácio, uma correção de formigas. Alinhada numa coluna de aproximadamente dois metros de largura, a massa de formigas exibia-se no assoalho. O rapaz viu-as, parou de falar um pouco e depois, cheio de espanto, desata numa grande gargalhada. “Por que esta rindo?”, perguntou-lhe Indra. “Vi as formigas, ó, Indra, desfilando num longo cortejo. Cada uma delas tinha sido, antes, um Indra, como vós. Cada uma, em virtude de suas conquistas, subira outrora ao nível de um rei dos deuses, mas agora, após muitas transmigrações, cada um transformou-se em uma formiga. Este exército de formigas é um exercito de antigos Indras.”
Depois dessa revelação, Indra compreendeu a vaidade de seu orgulho e das suas ambições. Chamou o Vishvakarma, recompensou-o principescamente e desistiu, para sempre, de aumentar o palácio dos deuses. Humilhado, Indra abandonou sua vocação guerreira e retirou-se para as montanhas, entregando-se ao ascetismo. Noutros termos, Indra apressou-se em tirar o que lhe parecia ser a única conclusão lógica da descoberta da irrealidade e da vaidade no mundo. Mas podemos nos perguntar se um rei dos deuses, um esposo, tinha direito de tirar mais conclusões de uma revelação de ordem metafísica, se sua renuncia e sua ascese não colocariam em perigo o equilíbrio do mundo. Efetivamente, pouco tempo depois, a rainha Indrani, sua mulher, desolada por ter sido abandonada, implorou a ajuda de seu sacerdote conselheiro, Brihaspati. Tomando-lhe a mão, Brihaspati aproximou-se de Indra e falou-lhe demoradamente, não só das virtudes da vida contemplativa, mas também da importância da vida ativa, da vida que encontra a plenitude neste mundo. Indra recebeu, assim, uma segunda revelação, compreendeu que cada um deve seguir a sua própria via de realizar a sua vocação, isto é, em ultima instancia, cumprir o seu dever. Mas como a sua vocação e o seu dever consistiam em continuar a ser Indra, ele retomou a sua identidade e prosseguiu as suas aventuras heróicas, sem orgulho e sem fatuidade, pois compreendeu a vaidade de toda a situação, fosse ela a de um rei ou dos deuses.
Para Eliade, uma das funções desse mito de Indra é chamar a nossa atenção para a necessidade de ultrapassarmos o horizonte ilimitado e estritamente condicionante da nossa “situação histórica”. É um estimulo para buscar-se os ritmos do tempo cósmico, libertando-se da ilusão da realidade ontológica do tempo. Outra função implicaria em frisar que não é fugindo da “situação histórica” que se atingiria a plenitude como um ser universal, mas sim tendo constante no espírito as perspectivas do grande tempo cósmico e continuando a cumprir o seu dever no mundo. Viver no tempo não seria, em si, uma má ação.A má ação seria acreditar que nada existe fora do tempo. É ser devorado pelo tempo não porque se vive nele, mas porque acredita-se na única realidade do tempo e, portanto, esquece-se ou despreza-se a eternidade.
Para enriquecer a narração do episodio sobre a vaidade de Indra, acrescentamos mais alguns elementos dessa lenda.
Após Indra ter derrotado Vritta e feito as águas caírem dos céus, ele exclamou: “Que sujeito formidável eu sou”. Assim pensando, Indra dirigiu-se à montanha cósmica e decidiu construir um palácio à altura de seu valor. O arquiteto divino trabalhou rapidamente e começou a construir um excelente palácio, mas, cada vez que Indra ia inspecioná-lo, tinha idéias mais ambiciosas. Cansado, o arquiteto foi reclamar com o deus criador sobre a falta de limites de Indra. Brahma (o criador) dirigiu-se até Vishnu (o deus preservador) e ambos assumiram a responsabilidade de fazer Indra voltar à realidade.
No outro dia, apareceu na frente dos portões do palácio um belo garoto de cor negra azulada, acompanhado por um bando de crianças.Indra ordenou que entrassem, deu as boas vindas e perguntou o que os trazia até o seu palácio. “Bem”, diz o garoto com uma voz que soava como um trovão rolando no horizonte, “ouvi dizer que você está construindo um palácio como nenhum Indra anterior jamais construiu”.
Indra replicou: “Indras anteriores a mim? Do que você está falando?”
O garoto acrescentou: “Sim, Indras anteriores a você. Eu os tenho visto vir e desaparecer, vir e desaparecer. Pense nisso: Vishnu dorme no oceano cósmico e o lótus do Universo cresce de seu umbigo. No Lótus, assenta-se Brahma, que, de lá, abre os olhos e um mundo se cria para ser governado por um Indra. Fecha os olhos e o mundo desaparece. A vida de Brahma conta 432 mil anos. Agora, pense nas galáxias além das galáxias, no espaço infinito, cada qual com um Lótus, com um Brahma sentado nele, abrindo e fechando os olhos. E Indras? Deve haver homens versados em sua corte que se prestariam a contar as gotas de água dos oceanos ou os grãos de areia nas praias, mas nenhum contaria aqueles Brahmas, muito menos aqueles Indras”.
Enquanto o garoto falava, um exército de formigas desfila pelo chão do palácio; o garoto riu ao vê-las; os cabelos de Indra ficaram arrepiados e ele perguntou ao garoto: “Por que você ri?” O garoto respondeu: “Não pergunte a menos que você queira ficar magoado”. Indra disse: “Eu pergunto. Ensina-me”. Então o garoto apontou para as formigas e disse: “Todas antigos Indras. Através de muitas vidas, eles se elevam das mais baixas condições à mais alta iluminação. Então, eles lançam um raio sobre o demônio Vritta e pensam: ‘Que sujeito formidável eu sou!’ E voltam a despencar”.
Enquanto o garoto falava, um velho e extravagante Yogi adentrou o palácio com uma folha de bananeira servindo-lhe de pára-sol. Vestia apenas uma tanga e tinha no peito um chumaço de cabelos formando um circulo, no centro do qual metade dos pelos foram arrancados.
O garoto cumprimentou o asceta e perguntou-lhe exatamente o que Indra desejava perguntar. “Bom velho, qual é seu nome? De onde você vem? Onde está sua família? Onde é sua casa? E qual o significado dessa curiosa constelação de pêlos no seu peito?”
“Bem”, disse o velho, “meu nome é Cabeludo. Eu não tenho casa. A vida é muito curta para isso. Só tenho esse pára-sol. Não tenho família. Apenas medito nos pés de Vishnu, penso na eternidade e em quão fugaz é o tempo. Você sabe, toda vez que morre um Indra, um mundo desaparece, coisas assim somem como faísca. Cada vez que morre um Indra, cai um fio de cabelo deste circulo do meu peito. Até agora, metade dos cabelos já se foram. Muito em breve, todos terão ido. A vida é curta, por que construir uma casa?”
Então, os dois desapareceram. O garoto era Vishnu, o preservador do universo, e o velho Yogi era Shiva, o destruidor e renovador dos mundos, quais tinham vindo para instruir Indra, que é simplesmente um deus da história, mas pensava que era todo o espetáculo.
Na Índia moderna, Indra é adorado durante o festival Indrajata, realizado anualmente e marcado por procissões, danças com máscaras e luzes. A imagem de Indra é construída em barro, de tamanho exuberante, ricamente ornamentada, e após os ritos do festival é jogada no rio para atrair as chuvas.
Na mitologia ocidental greco-romana, encontramos o equivalente a Indra na figura de Zeus-Júpiter, “O senhor das chuvas, o senhor dos céus, das nuvens e aquele que brande o temível raio”. Na mitologia budista, a figura de Indra é identificada a uma deidade chamada Sakra, “o poderoso”.
Podemos enumerar os seguintes epítetos de Indra: Divapati, o senhor dos deuses; Vajri, o que dirige os raios; Megravahana, o que monta as nuvens; Mahindra, o grande Indra.
HAMILTON, Edith. A Mitologia
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